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Jubileu da Misericórdia - Outubro

O Papado e a Misericórdia - Reflexão para o mês de Outubro

“Dar-te-ei as chaves do Reino dos Céus.” (Evangelho de São Mateus)

(Adaptação  de “Ces 12 papes qui ont bouleversé le monde” de Christophe Dickés)

O papado está hoje no centro de um paradoxo: o mundo ocidental está permanentemente a evocar o declínio da Igreja Católica e da influência do seu chefe sem se dar conta que, na história da humanidade, a Igreja nunca teve tantos fieis espalhados pelos cinco continentes. Aliás é talvez essa uma das razões pelas quais, duma maneira geral, o Cristianismo é hoje a religião mais perseguida do mundo. Quando a história dos papas se confundiu, durante tanto tempo, com a da Europa, ser papa no século XXI significa ser ator numa cena de dimensões universais. Esta é uma responsabilidade incomparável e esmagadora. Ser papa não é a mesma coisa que vestir um hábito que se pode despir à noite quando se está cansado e voltar a vesti-lo no outro dia depois de ter descansado. É como ter uma tatuagem impressa na alma. Equivale à impossibilidade de se desligar, no seu próprio Eu, do Nós da Igreja.
No século XX, depois de cada eleição, com uma única exceção, todos os papas choraram e isto aconteceu antes de entrarem na famosa “Stanza delle lacrime”, literalmente “a sala das lágrimas,” uma sacristia situada à esquerda do altar da capela Sistina. É nesta pequena sala que o papa veste a sotaina branca, antes de aparecer na varanda da basílica de São Pedro para a bênção urbi et orbi, quer dizer à cidade de Roma e ao mundo. Ao longo da história, muitos cardiais ficaram aterrados pela perspetiva da eleição. Mas houve outros tempos em que a eleição pontifícia era motivo de triunfo e glória, no meio de combinações políticas europeias, reflexo de múltiplos interesses.
Há mais de um século, o papa possui mais do que um carisma institucional; manifesta um prestígio pessoal, mais ou menos marcado segundo a sua personalidade. Isso começou sob o pontificado de Pio IX (1846-1878), prisioneiro no Vaticano depois da invasão dos Estados pontifícios pelas tropas revolucionárias italianas em 1870, até ao papa Francisco com uma popularidade incontestável que parece mesmo ultrapassar a de João Paulo II. A universalidade da Santa Sé baseia-se em parte na ideia que o papa se dirige a cada crente. É ao mesmo tempo um pai- que é o sentido original da palavra “papa”- e um pastor.
Como todos os poderes, o dos pontífices evoluiu com as épocas. A sua influência e a sua capacidade de agir sobre o seu tempo tem variado. Segundo a historiadora Nicole Lemaître “ o papado, com a sua extraordinária capacidade de adaptação às mudanças culturais e mentais, com as suas pretensões de representatividade supranacional, faz parte do nosso património comum.”
Quais são os elementos que permitem dizer que um papa influenciou a história de modo a mudar o seu curso?  Ser lembrado entre os duzentos e setenta que estiveram à frente da Igreja Católica significa que esse papa se distinguiu pelo menos pelo seu caráter excecional, pela sua capacidade de agir relativamente aos acontecimentos da sua época.
As mudanças na Igreja fazem-se lentamente e cada papa deixa o seu legado. Existe na história da Igreja uma continuidade da qual o papa é uma espécie de garantia. O papa é portanto um herdeiro mas é “um herdeiro independente.”  Está ao serviço da Igreja que, como qualquer instituição humana, viveu períodos de estagnação, de progresso,  por vezes de regressão, muitas vezes de renascimento.
O papado foi testemunha e sobreviveu às três maiores transformações da história europeia: a queda do Império Romano, a Reforma protestante e o Século das luzes, gerador das revoluções, das democracias, mas também dos totalitarismos..
Na história da Igreja muitos papas não foram brilhantes. Houve mesmo papas medíocres, por vezes ávidos de riqueza e de poder, mas há os que se destacam e dominam não apenas o seu tempo, mas o seu século. A sua influência vai para além do seu pontificado, introduzindo uma mudança decisiva na história da Igreja e na história do mundo.
Muitos são sobejamente evidentes: de São Pedro (64 ou 67) a Inocêncio III (1198-1216) podemos salientar uns cinco que geram uma certa unanimidade. Quem se lembra do concílio de Calcedónia em 451 sob o pontificado de Leão Magno (440-461)? Foi, no entanto um acontecimento tão importante como a conferência de Yalta do século XX. Todos estes conflitos religiosos parecem-nos bem afastados da época contemporânea… No entanto, o Concílio de Trento, no século XVI, pode já reavivar algumas controvérsias porque está ligado ao desenvolvimento do Protestantismo. Este concílio foi fruto duma longa reforma espiritual e intelectual vinda da base da cristandade, mesmo antes da chegada de Lutero e das suas teses. “A história ensinou-nos que cada vez que a Igreja se libertou da mentalidade mundana e dos modelos terrestres do exercício do poder, se abriu a via da sua renovação espiritual em Jesus Cristo.”
E que dizer dos papas dos séculos XX e XXI de Leão XIII (1878-1903) a Francisco, eleito em 2013 depois da renúncia histórica de Bento XVI?
Citaremos  alguns dos papas destes dois últimos séculos considerados por muitos como tendo deixado a sua marca: Leão XIII pela sua doutrina social, esteve na base duma maior visibilidade da Santa Sé e do movimento da Nova evangelização. Pio X que compreendeu a “centralidade da Fé” e os perigos do positivismo, isto é, dum mundo que exclui o divino; Bento XV durante a Grande Guerra; Pio XI e a sua luta contra o totalitarismo e os acordos de Latrão. João Paulo II e a reunião ecuménica de Assis… Além destes papas ainda há a  salientar  João XXIII pelo concílio e pela sua intervenção num dos momentos mais críticos da Guerra fria; Pio XII e Paulo VI pontificados feitos de sofrimento mas marcados por uma visão e inteligências extraordinárias;  Bento XVI pela sua denúncia do relativismo.
Estes  grandes papas são assim reformadores pois têm sempre percursores e herdeiros. São papas de exceção e situam-se numa atualidade,  pois que os  homens duma época à outra  mantém as mesmas aspirações  mas  as ligações com o poder evoluem a também uma continuidade do modo como os papas se obrigam a perseverar e a transmitir a Fé.
Os papas do séc.XX e XXI incarnam os “papas universais” duma Igreja que se torna na realidade o que foi sempre a sua aspiração, a Igreja Universal.
Virados para um mundo globalizado, com as suas preocupações, medos e angústias, no século mais mortífero na história da humanidade, eles ergueram-se como consciência da humanidade. Frente às religiões seculares mortíferas, querendo fazer dos homens, deuses, eles lembraram os princípios da paz e da dignidade, dos direitos e dos deveres. A Virtude da Esperança também.
Neles se espelha e actua a Misericórdia, que o Papa Francisco tão oportunamente quis destacar ao promulgar o actual Jubileu da Misericórdia.


Teresa Teotónio Pereira
(Comissão da Unidade Pastoral de Sintra para o Jubileu da Misericórdia)

 

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